O Brasil ainda apresenta desafios significativos na adoção de padrões de qualidade do ar e na proteção à saúde da população durante episódios críticos de poluição, conforme revela o estudo “Qualidade do ar em alerta”. Conduzido pelos Institutos Alana e Ar, a pesquisa analisou os casos de poluição no Brasil e comparou os planos de ação emergenciais adotados em outros oito países: Chile, Colômbia e Equador na América do Sul; Estados Unidos e México na América do Norte; e Espanha, França e Inglaterra na Europa.
De acordo com Evangelina Araújo, pesquisadora do Instituto Ar, cabe a cada nação desenvolver suas próprias normas para lidar com situações críticas de poluição, caracterizadas por emissões de gases poluentes que ultrapassam os padrões de qualidade estabelecidos. Em tais situações, é imperativo que existam planos de ação. “No Brasil, a legislação vigente para padrões de qualidade do ar data de 1990, o que significa uma defasagem de 34 anos”, observa Evangelina.
Comparado aos outros países analisados, o estudo conclui que o Brasil, junto com o Equador, enfrenta alguns dos episódios mais severos de poluição do ar. Um exemplo alarmante ocorreu em novembro do ano passado, quando o nível de material particulado em Manaus, devido às queimadas, atingiu 400 microgramas por metro cúbico (µg/m3), enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o limite não ultrapasse 45 µg/m3.
A pesquisa também apontou que os padrões de qualidade do ar adotados no Brasil são excessivamente permissivos e que tanto as unidades federativas quanto o governo federal carecem de planos de ação para proteger a saúde pública e o meio ambiente. “Em Paris, por exemplo, quando um nível crítico de poluição é atingido, a circulação de veículos é proibida em áreas de grande tráfego no centro da cidade. Além disso, o transporte público se torna gratuito, incentivando as pessoas a utilizarem o metrô em vez de ônibus ou carros. Há também recomendações para que as crianças permaneçam em casa, evitando a exposição aos poluentes”, explica Evangelina.
Essas medidas fazem parte de um protocolo que define ações a serem tomadas conforme os índices de poluição do ar se agravam, com níveis que variam entre atenção, alerta e emergência. As ações podem incluir desde notificações ao público sobre a elevação dos índices até medidas mais drásticas, como a interrupção da produção industrial, caso os níveis ultrapassem os limites estabelecidos para emergências.
Embora a OMS não defina padrões específicos para ações emergenciais, ela considera aceitável que as concentrações de material particulado no ar não ultrapassem 45 µg/m3 em 24 horas e 15 µg/m3 como média anual. No entanto, o Brasil permite níveis até três vezes superiores aos recomendados, com base em normas que datam de 1990.
O estudo destaca que países como Chile, Colômbia, Equador, Espanha e França possuem legislações nacionais que estabelecem limites críticos de poluição, enquanto México e Estados Unidos adotam regras regionais.
No Brasil, a questão foi abordada por meio de um dispositivo infralegal, que possui menor força do que uma lei. A resolução 506/2024 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revisou os padrões nacionais de qualidade do ar e definiu diretrizes para sua aplicação, visando proteger a saúde e o meio ambiente.
Avanços
A nova resolução começa a alinhar os padrões nacionais aos da OMS a partir de dezembro deste ano, com ajustes graduais até 2044, para atingir os padrões recomendados. Para JP Amaral, gerente de natureza do Instituto Alana, a definição desses prazos representa um avanço significativo, mas ainda há um longo caminho a percorrer. “Temos um percurso de aproximadamente 20 anos para alcançar o padrão ideal de qualidade do ar”, afirma Amaral.
Ele ressalta que o estudo foi desenvolvido para apoiar o debate e a formulação de políticas públicas focadas no problema, como a regulamentação da Política Nacional de Qualidade do Ar, instituída em maio deste ano. “Parte do trabalho será realizado pelo Conama, que estabelecerá os níveis de episódios críticos e as medidas que estados e municípios deverão adotar para criar seus planos de ação, uma vez que essa questão é fortemente territorializada”, explica.
O estudo também evidenciou a diversidade de ações necessárias para proteger a população em diferentes contextos de poluição atmosférica, variando conforme o tipo de poluente e o ambiente. “A resposta a um pico de poluição do ar causado por queimadas na Amazônia, como em Manaus, é diferente da resposta necessária para um pico de poluição veicular em São Paulo ou outras grandes cidades”, exemplifica Amaral.
Na entrega da pesquisa aos gestores públicos federais, foi anunciado que o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima está desenvolvendo um guia técnico de planos de ação para episódios críticos, destinado a auxiliar estados e municípios.
Orientações
Amaral enfatiza que, além de avanços nas políticas públicas e na regulamentação das normas sobre a qualidade do ar, é crucial entender que os efeitos da emissão de gases poluentes, como a mudança climática, já são irreversíveis. Para ele, é necessário promover a adaptação em várias esferas, incluindo a busca por soluções amplas nos âmbitos municipal, estadual e federal, além de mudanças nas práticas individuais.
“São práticas já conhecidas. Em dias com intensa neblina de fumaça, o uso de máscara é recomendado. Técnicas antigas, como usar toalhas molhadas ou baldes para umidificar os ambientes, também são eficazes. Em alguns casos, pode ser necessário isolar a poluição, fechando as janelas. E o mais importante, especialmente para crianças, é proporcionar mais contato com a natureza. Levar as crianças a ambientes arborizados, afastados dos centros urbanos, onde possam respirar ar mais limpo”, conclui.
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